Dia do Trabalhador, comemorar ou “velar”?

*Por Valério Bomfim

Neste sábado, 1º de maio, comemora-se o Dia do Trabalhador em todo o país. Em Ilhéus, Bahia, apesar de o dia ser visto como comemorativo, há décadas não há o que se comemorar, em especial nos últimos dez anos.

Não é apenas no Brasil que o dia 1º de maio é feriado. Nesta data, os trabalhadores descansam (e também realizam manifestações) na América do Sul e no México, em quase toda a Europa Ocidental, na Rússia, na Índia, na China e na maior parte dos países da África. A data foi escolhida em homenagem ao esforço dos trabalhadores dos Estados Unidos, que, num sábado, 1º de maio de 1886, foram às ruas das maiores cidades do país para pedir a redução da carga horária máxima de trabalho por dia.

 

A luta dos manifestantes foi bem-sucedida: na virada do século 20, boa parte dos trabalhadores do país já seguia o ritmo de 8 horas diárias – antes, era comum os americanos ficarem nos empregos nada menos do que 100 horas por semana, o equivalente a aproximadamente 16 horas para cada um dos seis dias de ocupação.

 

Aqui no Brasil, a chegada dos europeus, no fim do século 19 e começo do século 20, trouxe com eles, os ideais de luta trabalhista. A Greve Geral de 1917 ajudou a pressionar o governo pela mudança no cenário operário. Em 1925, o então presidente Artur Bernardes decretou o Dia do Trabalhador, como também é chamado, em 1º de maio. A maior mudança, no entanto, veio bastante tempo depois, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em 1º de maio de 1943 (sim, a data foi escolhida propositalmente), Getúlio Vargas assinou o Decreto-Lei nº 5.452, garantindo direitos básicos, como salário mínimo e duração da jornada de trabalho.

 

Para os governos, “servidor público é parasita”.

Desde fevereiro de 2000, quando entrei pela primeira vez na prefeitura de Ilhéus como Auxiliar de Serviços Gerais – Gari -, os servidores públicos têm sido alvo preferencial dos governos para culpar pela falta de dinheiro para investimentos na cidade. Para mim, é falta de “gestão” e seriedade com a coisa pública, ou incompetência administrativa mesmo. De lá para cá, ao longo dos meus 21 anos de serviço público – primeiro na limpeza, por seis anos, onde trabalhei na Escola do Basílio e da Palmares, na escola da primeira Igreja Batista na praça JJ Seabra e no Estádio Mário Pessoa – e após novo concurso público, como Agente de Trânsito desde 2006 na Sutram, percebi que não era coisa de um governo, gestor e ou chefes; é uma doença que afeta a todos os políticos de direita. Hoje, vinte anos depois, percebo que nenhum governo, chefe ou superior imediato tinha ou tem qualquer intenção de nos valorizar, valorizar o servidor público, o recurso humano sem o qual a máquina pública não funciona.

 

Os servidores, de forma geral, somaram perdas significativas, não só no campo econômico por falta de repasse da revisão geral anual, que é a inflação do período anterior, pela falta de uma mesa permanente de negociação, de cumprimento de acordos coletivos e de suas datas base, bem como de promessas feitas aos servidores e categorias geralmente em momentos eleitorais, seja para suas eleições, reeleições, eleição de deputados, senadores e ou vereadores e até de conselheiros tutelares, pasmem!

 

A política desses gestores, se é que posso assim chama-los, é a mesma há duas décadas pelo menos, a do “toma lá da cá”, a da lei do Gerson, a do apadrinhamento para cargos, não por competência e muito menos por conhecimento e técnica.  Este “modus “operandi” de fazer política, a do super inchaço da folha de pagamento, com centenas de cargos criados para acomodar os cabos eleitorais e eleitores, tem como resultado o não cumprimento das leis de responsabilidade fiscal, da constituição federal, do teto de gastos, dos princípios da economia e eficiência dentre tantos outros.

 

Ao final, sem garantir o mínimo aos servidores efetivos, a revisão geral anual que é constitucional, fazem ainda propaganda enganosa, sempre, quando dizem que deram “aumento de salário quando na verdade é o repasse – quando acontece sempre a menor – da revisão constitucional sem as perdas acumuladas e nem ganho real acima da inflação, colocando, ainda, a culpa no servidor público, “ que é o parasita da economia” segundo o ministro Paulo Guedes, mentor de todos estes políticos que estão no poder há mais de 20 anos.

 

Condições e Locais de Trabalho

Para além de tudo que já falamos até aqui, ainda somos obrigados a trabalhar em condições subumanas, degradantes, estressantes, de perseguição política e de constante assédio moral. Em locais que sequer podemos comparar a um chiqueiro ou pocilga, pois estes não merecem a comparação…seria falta de respeito com os pobres porcos. Quase tudo que é utilizado no funcionamento diário de vários setores da prefeitura vem de doações de empresas que nem deveriam, pois as mesmas devem ser fiscalizadas pelo poder executivo, o que é, no mínimo, imoral. As doações vão desde água para beber, cafezinho, material de escritório, material de limpeza e, em alguns casos, até a internet e o telefone também são doações dos próprios servidores que fazem caixinhas pedindo doações a colegas e a terceiros para tentarem dar um atendimento digno aos munícipes.

 

O que mais faz falta e adoece os trabalhadores é a falta de tratamento igualitário – isonômico –  respeitoso em todos os aspectos mas, especialmente, nos campos psicológicos, de auto estima, de valorização do servidor individual e coletivamente e, por consequência, do serviço público como um todo, em especial por perseguição a servidores efetivos sem nenhuma explicação motivo ou legalidade e até demissões, em massa ou não.

 

Falta política de valorização

O primeiro resultado claro negativo desse desmantelamento programado, sistemático e perverso do serviço público, promovido há décadas, com a falta de investimento para formação e aperfeiçoamento dos servidores e do serviço público; com a falta de investimento em locais de trabalho decentes e SALUBRES para todos os servidores, em especial os do trânsito, que trabalham em condições DESUMANAS, mesmo arrecadando milhões de reais em multas de trânsito, todos os anos, muitas de forma ilegal e criminosa – é a baixa qualidade no e do serviço e dos servidores públicos inclusive dos temporários, contratados e ou nomeados cargos comissionados escolhidos, cada dia em maior quantidade, sem nenhuma especialização ou conhecimento da área onde vai atuar.

 

Falta uma política de valorização do serviço e do servidor público com programas de cursos de atualização, capacitação, nivelamento, integração dos servidores – principalmente efetivos – uso de técnicas e tecnologias modernas de administração, gestão de recursos humanos e gestão de pessoal, de políticas públicas e implantação de rotinas administrativas, planejamento estratégico, anual, mensal, semanal e diário, com metas e objetivos em curto, médio e longo prazos. Outro resultado da falta de planejamento é a falta de conversação e integração entre as secretarias e setores, às vezes da mesma secretaria e afins, mas que não se comunicam, trazendo um custo maior de gastos desnecessários e baixo resultados nos serviços prestados, além da impossibilidade de poder avaliar, quantificar, adaptar e assim melhorar e corrigir os rumos.

 

Os Agentes de Trânsito, por exemplo, estão sem tomar um único curso de formação – obrigatório a todos que entram na função e de atualização para os que já estavam e tomaram um único em 2007. Lá se vão 14 anos sem nenhum curso; de lá para cá, o Código de Trânsito Brasileiro, nossa principal ferramenta de trabalho, nossa bíblia, mudou, foi reescrita centenas de vezes. Como prestar um serviço de excelência neste cenário?

 

Sem planejamento, gasta-se mais do que o necessário

Estas administrações estão umbilicalmente ligadas, pela total e intencional falta e descaso com o planejamento estratégico do serviço público, em curto, médio e longo prazos, e da gestão eficiente do serviço e dos servidores públicos. Basta fazer um levantamento de quantos são os servidores efetivos, onde estes estão lotados e o que estão fazendo/produzindo, quando estão. O desvio de função é a tônica dos governos há décadas. É a moeda de troca para adquirir e/ou manter cabos eleitorais. É a forma de colocar no serviço público seus apadrinhados, que fazem concurso para uma área menos disputada pelo salário, com facilidade de aprovação pela concorrência que vão enfrentar, geralmente com escolaridade menor, sendo depois transferidos para outro setor, ganhando adicionais ilegais que elevam seus salários e status.

 

O resultado disso é a crescente falta de vontade de trabalhar de forma séria e honesta daqueles que não aceitam essas benesses, e eu sou um deles. O adoecimento como stress, depressão, hipertensão, síndrome de Burnout, são resultado das péssimas condições impostas dos ambientes de trabalho e dos locais de trabalho, quando você se vê tratado com um lixo, por um chefe que conhece menos –  ou nada – do que você conhece, enquanto outros são agraciados com adicionais, horas extras, sem nada fazer e até ficar em casa, sem trabalhar, por anos.

 

A falta de sensibilidade dos gestores e dos funcionários, por conta dos primeiros, para o desenvolvimento do pensamento estratégico no processo de gestão dos planos, programas e projetos governamentais – porque tudo é feito sem planejamento – sempre de forma empírica, no achismo, traz resultados inesperados, ou não, e indesejáveis, quase sempre desastrosos com prejuízos para a administração pública e a população. O resultado é o alto custo para o serviço público e a população.  

 

Comemorar demissões?

Simultaneamente a esta realidade dura e triste do serviço público municipal, somam-se as políticas errôneas e ou criminosas implantadas que levam o servidor a perder a vontade de trabalhar, alguns até de viver, como o afastamento de mais de 300 servidores, por decreto, e a criminosa insistência de não cumprir a sentença que obriga o retorno desses colegas. Também desastrosa é a política de agradar alguns apadrinhados com aumentos exorbitantes e nada ortodoxos de seus salários e o retorno de servidores demitidos há mais de uma década, dentre tantas outras irregularidades. O resultado prático disso é a péssima qualidade do serviço, como já dito, e podemos verificar em qualquer repartição pública.

 

Esta política de desmantelamento do serviço público não é uma exclusividade deste governo ou deste governante, mas, uma visão que persegue o mesmo e seus “professores” que podemos chamar de neoliberalismo. Este governo, é filho dos governos de Jabes, Valderico e Newton Lima, sendo, inclusive coerente com sua política, neo liberalista – às vezes de extrema direita e às vezes ao centro – de desmantelar a máquina pública para empregar seus apadrinhados e “lucrar” , ainda mais e politicamente manter-se no poder. É filho e fiel defensor da velha política, de Sarney, ACM, Covas, Maluf, Collor, Fernando Henrique, Renan Calheiros, Eduardo Cunha, dentre tantos, e atualmente de Kassab, Carleto e Negromonte, que comungam com a atual política do governo federal que defende o mesmo, desmantelar o estado, retirar direitos trabalhistas, acabar com a estabilidade do servidor público, com direito a aposentadoria, para manter apadrinhados e continuar “lucrando”.

 

Dia não de comemorar, mas, sim, de velar.

Finalizando, o dia 1º. de maio nada tem a comemorar, ao contrário, este é um dia não para festas, mas, sim, de Lutas e de Luto pelas 400.000 mortes pela Covid-19 e pelas mortes de tantos direitos trabalhistas, duramente conquistados com sangue suor e lágrimas, de milhares de trabalhadores e trabalhadoras durante a história.

 

Um dia para velar, no sentido de vigiar, estar em vigília, acordado. É momento de reflexão, discussão entre as categorias, planejamento para as lutas em curso e as que virão, união, entre sindicatos e trabalhadores, centrais sindicais e demais entidades representativas, a fim de, ao menos, manter os direitos já conquistados. Aqueles, em especial sindicatos, que comemoram fica sob sua responsabilidade é claro, o futuro dos que representam. O dia não é de fazer festa e nem de beber para esquecer, é dia de fugir da política do pão e circo e certamente dia de vigiar.

Leia mais sobre a história do 1 de maio em: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/por-que-1-de-maio-e-considerado-o-dia-do-trabalho/

*Valério Bomfim

Colunista